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terça-feira, 30 de outubro de 2012

Islândia: uma lição de democracia à Europa "austera" - 2


Reykjavik, a capital mais ao norte do mundo, é uma cidade peculiar (Foto: RBA)


Por Flávio Aguiar via Rede Brasil Atual

Tanto quanto meu islandês fluente (!) disfarçado de inglês podia permitir, saí à rua para buscar informações.
Reykjavik – a capital mais sententrional do mundo – é uma cidade peculiar.

Com mais de 200 vulcões potencialmente ativos e com um número enorme de geiseres, a Islândia pode se dar ao luxo de ter água quente (ainda que com cheiro sulfuroso) canalizada diretamente das ruas para as casas. No centro, algumas das ruas têm encanamento subterrâneo que aquecem as calçadas. No centro administrativo, onde estão o Parlamento e a prefeitura, um enorme lago acolhe uma infinidade de pássaros aquáticos: marrecos, gansos, gaivotas e outros para mim desconhecidos. Pois em certas partes do lago a canalização joga água quente - necessária já nesta época do ano, final de outubro (equivalente no hemisfério sul a final de abril), porque uma boa parte da superfície já está congelada.

O número de automóveis é impressionante. Comentários falam em dois carros por habitante. Talvez seja um exagero, mas o desfile de automóveis no pequeno mas agitado centro da capital é impressionante.
Um dos efeitos da crise que devastou a Islândia e do seu reerguimento posterior foi a mudança da paisagem comercial no centro. Despareceram lojas tradicionais de roupas (muito bonitas e ainda muito caras), por exemplo, dando lugar a lojas para turistas – muitas vezes com os mesmos donos das anteriores.

A crise de 2008 provocou uma desvalorização brutal da krona - coroa - islandesa. Isso ajudou a catapultar a dívida pública do país de 27 % em 2007 para os quase 130% do PIB em 2011. Em compensação baixou os custos para os turistas, que passaram a viajar cada vez mais - e a gastar cada vez mais - aqui.

Outro efeito curioso da crise foi incentivar o gasto interno. Parece, pelo que conversei com alguns comerciantes no mercado de comidas, roupas, cds, quinquilharias, antiguidades, etc., sobretudo etc., que abre nos fins de semana, que os islandeses, em média, não são muito de poupar (como são os alemães, por exermplo, para quem poupar é uma questão de identidade ou de ética nacional).

Com a crise e a desvalorização da krona, viajar para fora ficou complicado. Então o nível de gasto interno - ainda mais depois da volta da recuperação econômica - aumentou. Um dos comerciantes daquele mercado me confiou que 2010 - ano em que o desemprego, hoje em 6%, chegou a 10% da população economicamente ativa - foi um dos seus melhores anos. E ele não vende coisas de primeira necessidade, mas sim roupas de corte militar, objetos do antigo leste europeu (as quinquilharias do comunismo), coisas assim.

Apesar da rápida recuperação econômica do país, ainda paira um certo ar de receio no ar. A crise deixou muita gente escaldada - neste país de gelo, onde 15 graus positivos é motivo para as pessoas irem se deitar com pouca roupa nas praças. Antes da crise, parece que as pessoas viviam num "mundo à parte", onde os desastres econômicos mundiais jamais chegariam. A Islândia era, literalmente, uma "ilha de prosperidade". Choviam capitais internacionais - sobretudo dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Holanda. Quando os bancos quebraram, em 2008, os cidadãos tam,bém quebraram.

O seguro desemprego na Islândia era e é ainda de apenas 3 meses. O poder aquisitivo da população se evaporou, de um lado. Mas por outro a desvalorização da moeda, além de favorecer o turismo, favoreceu também as exportações, como as de bacalhau, e também os contratos internacionais para os estaleiros do país. E a troca de governo, com os plebiscitos realizados na seqüência, impediram que os recursos públicos priorizassem o pagamento dos credores internacionais em detrimento do crédito interno. O resultado foi que, ao invés de mergulhar na depressão que assola o Reino Unido, a Irlanda e a Europa continental, a Islândia saiu paradoxalmente reforçada da crise, mostrando que na economia há mais labirintos e paradoxos do que pensam as vãs ortodoxias.

Um outro fator que provoca receio por aqui chama-se China. "Eles estão muito perto", me disse um dos comerciantes. O motivo não são apenas os turistas chineses. O "perto" se refere à Groenlândia. Interessados nos minérios da giagantesca ilha vizinha, os chineses estão investindo pesado nela. E também estão trazendo mão de obra especializada, que falta na Groenlândia.

Um outro receio chama-se União Européia. Em meio à crise, ainda em 2008, para negociar um empréstimo com o FMI, o então governo se propôs a pleitear a entrada definitiva na U. E. Hoje, com a perpetuação da crise no continente, a idéia desperta bem menos entusiasmo. Mas está pendente, como fio de espada, sobre o país.

Uma outra idéia pendente chama-se euro. Apesar de tudo, ainda há, no país, quem defenda que a Islândia abandone a krona e adote o euro - uma maneira mais fácil de atrair capitais do continente, sobretudo da Alemanha e da França. O euro valorizado ajudaria a encolher a dívida pública. Até o dia 8 de outubro de 2008 o euro era cotado a 130 kronas, mais ou menos. No dia 9 a cotação explodiu para 340. Depois de um tempo voltou a 305, e hoje um euro equivale, em média, a algo entre 145 e 160 kronas, dendendo do lugar onde se faça o câmbio.

Mas se a Islândia adotar o euro, ela perderá a soberania sobre a moeda. No presente momento nada aconselha esse passo, que pode ser alentador para o sistema financeiro privado no país, mas um desastre para os demais.

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