Artigo originalmente publicado no site do DIEESE
As condições sociais para o surgimento da produção capitalista implicaram uma transferência do controle do tempo de trabalho do produtor direto para o proprietário dos meios de produção. O camponês pré-capitalista ou o artesão, dominavam o processo produtivo e detinham a posse dos meios de produção, o que implicava controlarem o seu ritmo e tempo de trabalho. O trabalhador subordinado ao capital é apenas um apêndice da máquina que determina seu ritmo de trabalho e a sua duração é prerrogativa do empregador. Nos primórdios do capitalismo, o trabalhador vendia sua força de trabalho por um dia e esse dia de trabalho pertencia ao patrão. A jornada durava até o limite de resistência física do trabalhador, 14 horas, 16 horas ou mais.
Por que os que foram camponeses e artesãos se submetiam a essa exploração brutal? Primeiro porque suas primeiras tentativas de organização foram consideradas ilegais e reprimidas com violência e, segundo, porque não tinham mais nada além do próprio corpo e sua capacidade de trabalho. Os camponeses foram expulsos das terras comunitárias e os novos processos de trabalho dependiam cada vez menos da habilidade e destreza dos artesãos e mais da especialização alienante imposta pelo trabalho fabril. O capitalista detinha a propriedade dos meios de produção e a posse do processo de trabalho: tudo estava sob seu controle. Ou os trabalhadores se submetiam, ou morriam de fome.
A luta pela redução da jornada de trabalho começa como uma luta pela sobrevivência. Não se tratava de gerar mais postos de trabalho, mas sim de impedir o massacre das longas horas de trabalho sob condições agressivas e desumanas, que freqüentemente implicavam mortes e mutilações de trabalhadores que desmaiavam de sono sobre as engrenagens das máquinas. Permitir a realização das pessoas enquanto seres humanos, com a redução da jornada de trabalho, não era apenas uma palavreado bonito, mas a busca pelo direito básico da vida.
As sucessivas revoltas operárias no século XIX e a organização dos trabalhadores em sindicatos e partidos começam a gerar regulamentações da jornada de trabalho e sua redução. Em 1847, os ingleses conquistaram a jornada de 10 horas e em 1848, os franceses. A luta dos americanos também foi repleta de violências, como o enforcamento dos 5 operários que em 1886 lutavam, em Chicago, pela jornada de 8 horas. O dia 1 º de Maio, em todo mundo, menos nos EUA, é o dia dos trabalhadores, em memória desses mártires. No século XX, as grandes guerras implicaram compensações aos operários, no amadurecimento de políticas de welfare state e conquistas sindicais mais substantivas. Vale lembrar que a Convenção número um da OIT, lançada em 1919, normatiza a jornada de quarenta e oito horas semanais para os trabalhadores da indústria.
Após os anos 30 e a segunda guerra mundial, as reduções da jornada de trabalho não estavam apenas associadas à questão das condições vida, mas também ao esforço de geração de empregos e da apropriação dos ganhos de produtividade. Durante o New Deal, o presidente americano F.D. Roosevelt reduziu a jornada para 40 horas semanais, como parte do esforço de reversão da crise dos anos 30 . De um modo geral, o século XX foi marcado pelas reduções generalizadas das jornadas de trabalho, até os anos 1990.
Caíram tanto as jornadas em relação ao século XVIII, que alguns teóricos, como Domenico De Masi, começaram a projetar a sociedade do tempo livre.
Tabela 1: Horas médias trabalhadas por ano, em países selecionados
PAÍS | 1870 | 1913 | 1938 | 1950 | 1970 | 1979 |
Alemanha | 2.941 | 2.584 | 2.316 | 2.316 | 1.907 | 1.719 |
Austrália | 2.945 | 2.588 | 2.110 | 1.838 | 1.755 | 1.619 |
Áustria | 2.935 | 2.580 | 2.312 | 1.976 | 1.848 | 1.660 |
Bélgica | 2.964 | 2.605 | 2.267 | 2.283 | 1.986 | 1.747 |
Canadá | 2.964 | 2.605 | 2.240 | 1.967 | 1.805 | 1.730 |
EUA | 2.964 | 2.605 | 2.062 | 1.867 | 1.707 | 1.607 |
França | 2.945 | 2.588 | 1.848 | 1.989 | 1.888 | 1.727 |
Holanda | 2.964 | 2.605 | 2.244 | 2.208 | 1.910 | 1.679 |
Itália | 2.886 | 2.536 | 1.927 | 1.997 | 1.768 | 1.566 (a) |
Japão | 2.945 | 2.588 | 2.391 | 2.272 | 2.252 | 2.129 |
R. Unido | 2.984 | 2.624 | 2.267 | 1.958 | 1.735 | 1.617 |
Suécia | 2.945 | 2.588 | 2.204 | 1.951 | 1.660 | 1.451 |
Nota: (a) refere-se ao ano de 1978.
No Brasil, a primeira greve registrada pela redução da jornada de trabalho ocorreu em 1895 e apenas na Constituição de 1934 é que foi implantada a jornada de trabalho de 8 horas diárias e 48 horas semanais. Em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho, essa jornada foi regulamentada e incluído o limite de duas horas extras de trabalho diárias. Apenas após 54 anos, houve nova mudança constitucional da jornada de trabalho, com a Constituição de 1988. A jornada foi reduzida para 44 horas semanais. Lamentavelmente, apesar do aumento do custo das horas extras estabelecido pela nova constituição, o limite diário permaneceu em duas horas.
No entanto, no Brasil, como em outros países da periferia capitalista, as jornadas ainda são bem superiores às dos países centrais e muitas vezes, apesar de regulamentadas, não são respeitadas.
Tabela 2: Jornada semanal de trabalho em países selecionados
PAÍS | 1979 | 1983 | 1989 | 1992 | 1994 | 1998 |
Austrália (a) | 35,5 | 34,6 | 33,1 | 33,0 | 33,2 | --- |
Alemanha (b) | 41,9 | 40,5 | 40,1 | 39,0 | 38,3 | --- |
Canadá (b) | --- | 32,4 | 31,7 | 30,5 | 30,6 (c) | --- |
Chile (a) | --- | 42,4 | 44,3 | 44,7 | 45,3 | 43,9 |
Coréia (a) | 50,5 | 52,5 | 49,2 | 47,5 | --- | --- |
Espanha (a) | 41,9 | 39,1 | 37,4 | 36,8 | 36,8 | 36,7 |
EUA (b) | 35,7 | 35,0 | 34,6 | 34,4 | 34,7 | 34,6 |
França (a) | 41,2 | 39,3 | 39,1 | 39,0 | 38,9 | --- |
Israel (a) | 36,6 | 35,3 | 36,1 | 36,7 | 37,4 | --- |
Japão (a) | 47,3 | 47,4 | 46,9 | 44,4 | 43,5 | 42,5 |
Noruega (a) | 36,4 | 35,6 | 35,7 | 34,9 | 35,0 | --- |
R. Unido (b) (d) | --- | 42,4 | 40,7 | 40,0 | 40,1 | 40,2 |
Suécia (a) | 35,7 | 35,7 | 37,5 | 37,2 | 36,4 | --- |
Notas: (a) horas trabalhadas; (b) horas remuneradas; (c) em 1993; (d) exceto Irlanda do Norte.
(*) inclusão nossa
Por quê Reduzir a Jornada de Trabalho?
- A década de 1990 foi marcada por uma regressão das condições do mercado de trabalho brasileiro. A pressão para a flexibilização da legislação do trabalho foi permanente, como também a disfarçada negligência estatal, que permitiu um crescimento sem precedentes das relações precárias de trabalho, na ausência de uma fiscalização efetiva da legislação trabalhista. Apesar disso e ao contrário das teses neoliberais, essa flexibilização de fato não foi capaz de impedir a maior crise de emprego da história brasileira recente. As taxas de desemprego mais que duplicaram, passando de 8,7% em 1989 para 19,3%(que é a maior taxa da série) em 1999 em termos de taxas médias anuais. O emprego industrial foi reduzido em termos absolutos e perdeu importância em termos relativos, ajudando a reduzir a qualidade do mercado de trabalho no período.
- Para os trabalhadores é crucial reverter o desemprego, pois ele além de ser dramático para todos os assalariados, atinge particularmente com maior intensidade pessoas de baixa renda e qualificação, que são mais vulneráveis socialmente.
- Uma política de emprego abrangente passa por políticas ativas, de ampliação da oferta de empregos através de estímulos ao crescimento da demanda agregada da economia. Mas não pode mais se restringir a isso, pois houve uma mudança na capacidade do crescimento econômico gerar empregos. No biênio 1986/87, Plano Cruzado, o PIB cresceu em torno de 10% e os empregos responderam na mesma proporção, também em torno de 10%. Já no biênio 1994/95, fase expansiva do Plano Real, o PIB também cresceu em torno de 10% mas o emprego não, pois apenas evoluiu 5%. A capacidade do crescimento econômico, por si só, em gerar empregos foi reduzida à metade, em função da abertura da economia e das mudanças tecnológicas e organizacionais.
- Mesmo que o crescimento econômico retorne, o que é necessário para a geração de empregos, o ritmo de queda do desemprego será lento devido à essas mudanças estruturais da economia. É neste contexto que se faz necessário reduzir a jornada de trabalho, pois essa mudança institucional dá mais efetividade ao potencial gerador de empregos do crescimento econômico.
- A campanha unificada da CUT, CGT e Força Sindical propõe reduzir a jornada de trabalho de 44 horas semanais para 40 horas, através de um emenda popular à Constituição Federal. O efeito dessa mudança sobre o emprego pode ser mensurado de forma aproximada. Basta considerar que temos cerca de 24 milhões de trabalhadores no mercado formal e que entre esses, há 70% trabalhando acima de 40 horas semanais, portanto, cerca de 17 milhões.Se a redução da jornada é de 10% do período de trabalho, essa é a porcentagem adicional necessária de postos de trabalho para manter a produção no mesmo nível, dada a tecnologia de produção disponível. Para produzir o mesmo que os 17 milhões que trabalham acima de 40 horas hoje produzem, serão necessários até 1,7 milhões de postos de trabalho. Desta forma, a redução da jornada de 44 horas para 40 horas gerará até 1,7 milhões de empregos.
- As safras de redução de jornada de trabalho, nos países capitalistas, estão associadas à uma maior organização sindical e influência política dos trabalhadores. Mas não só a isso. As reduções de jornada geralmente são antecedidas e acompanhadas por períodos de crescimento sustentado das taxas de produtividade, que diminuem os custos relativos da força de trabalho.
- Os empresários sempre resistem quando se trata de repassar esses ganhos de produtividade para os trabalhadores e geralmente usam argumentos falsos. O principal é o de que seus custos subirão se a jornada cair sem que os salários sejam da mesma forma reduzidos. A falácia está no fato de que o aumento da produtividade reduz os custos da força de trabalho. Assim, os custos só aumentariam se não houvesse crescimento prévio da produtividade, ou se a redução da jornada fosse maior do que o crescimento da produtividade.
- Não há registro histórico que sustente a tese patronal. Geralmente os trabalhadores reagem com atraso ao desempenho da produtividade, seja para ampliar o salários reais ou para reduzir as jornadas. Ou ambos. No mínimo, porque a iniciativa de mudar o processo produtivo é prerrogativa do capitalista.
- No caso brasileiro, a produtividade cresceu: 19% desde 1992 até 1998 , segundo dados do IBGE. Logo, uma redução da jornada na dimensão proposta, de 10%, representa pouco mais da metade do que já foi apropriado, em média, pelas empresas. Vale ressaltar que a produtividade industrial cresceu bem mais. Em estudo recente da OIT concluiu-se que a produtividade industrial cresceu 48% de 1989 a 1996. A produtividade de alguns setores da indústria foi considerável, como pode ser visto em alguns exemplos da tabela 3.
- Tabela 3 - Variação Anual da Produtividade do Trabalho 1992-1998 (em %)
Anos | 1992 | 1993 | 1994 | 1995 | 1996 | 1997 | 1998 | 98/92 |
Produtividade Total da Economia | -0,67 | 3,77 | 4,26 | 2,03 | 5,20 | 3,02 | 0,24 | 19,0 |
Fabricação de aparelhos e equipamentos de material elétrico | 19,30 | 12,45 | 5,32 | 5,07 | 6,99 | 0,94 | 7,72 | 72,7 |
Fabricação de automóveis, caminhões e ônibus | 7,69 | 20,99 | 10,06 | 6,58 | 11,75 | 12,35 | -2,12 | 87,8 |
Fabricação de produtos farmacêuticos e de perfumaria | -6,45 | 3,21 | 1,49 | 7,31 | 0,19 | 11,46 | 4,13 | 22,30 |
Indústria Têxtil | 1,01 | 4,66 | 5,18 | 5,44 | 17,80 | 9,27 | -6,37 | 41,3 |
Fabricação e refino de óleos vegetais | -3,78 | 5,56 | 2,70 | 6,71 | 4,62 | 17,59 | -1,31 | 35,1 |
- Mas representa muito para os 1,7 milhões de trabalhadores que poderão ter um emprego em prazo muito curto e aos incontáveis outros que serão absorvidos ano após ano porque a nova composição da redução exige mais trabalhadores com a jornada menor.
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